"É O SOLAR PELO MUNDO"
loa de autoria da Inês Mapurunga
ME LEVA, ME LEVA
NA VENTANIA DE OYÁ (BIS)
ME FAZ DE ROUXINOL
PRA NO SOLAR EU CANTAR
QUEM ME CHAMOU EU VOU JÁ
É O SOLAR PELO MUNDO
QUEM INCENDEIA O DILÚVIO
É O SOLAR PELO MUNDO
QUEM FAZ DA HORA O MINUTO
É O SOLAR PELO MUNDO
QUEM É PASSADO E FUTURO
É O SOLAR PELO MUNDO
QUEM ARRASTA CANTANDO
É O SOLAR PELO MUNDO
E OS VELHOS VÃO REQUEBRANDO
É O SOLAR PELO MUNDO
BEBÊS JÁ NASCEM PULANDO
É O SOLAR PELO MUNDO
A NEGRADA VAI ANIMANDO
É O SOLAR PELO MUNDO
MARACATU VEIO COM O POVO AFRICANO
ESSE GINGAR É DA ALMA DOS BANTOS
OYÁ SOPROU O VENTO
TRAZENDO A FORÇA DA LUZ
XANGÔ TROUXE O TROVÃO
BATUQUE DO MARACATU
XANGÔ TROUXE O TROVÃO
BATUQUE DO MARACATU
Associação Cultural Solidariedade e Arte – SOLAR, fundada em meados de 2005, desenvolve programas e projetos na área da cultura, tendo como missão democratizar e heterogeneizar os meios de produção e o acesso aos bens culturais, oportunizando o exercício pleno da cidadania a todos os envolvidos nestes processos.
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sexta-feira, 30 de julho de 2010
Ensaios...
O som do ferro e do couro percutido do maracatu Solar pede passagem na avenida. À frente, comandando a massa, o artista plástico e músico Descartes Gadelha, responsável por inovações rítmicas do maracatu Nação Baobab, criado nos anos 90, e que influenciou outras agremiações. Tudo acontece no casarão que sedia a ONG Solar, ali na avenida da Universidade, quase em frente a Adufc - Associação dos Docentes da UFC.
A Associação Cultural Solidariedade e Arte - Solar nasceu há menos de dois anos. Precisamente "um ano e oito meses, que a gente resolveu fazer esta experiência", conta o presidente, músico Pingo de Fortaleza.
A casa, portas abertas a outras manifestações culturais. Vai abrigar, diz Pingo, uma oficina de bonecos ministrada por Babi Guedes, oficina e publicação de cordéis (já saiu um, O encontro de Mário Gomes com a alma de Zé Limeira, de Jair Moraes), e apoia o teatro, a exemplo do espetáculo do grupo Cavaleiros da Dama Pobreza. Além de Pingo, a ONG Solar tem ainda a livreira Mileide Flores (vice presidente), o poeta Alan Mendonça, o Amarildo (dono da loja Nordestinados), a coralista Tieta Pontes, o músico Wilton Matos, os batuqueiros da Caravana Cultural, o pessoal do Movimento Bacurim, Tembiú e Movimento Crítica Radical, o dramaturgo Ghil Brandão, a diretora do Theatro José de Alencar - Elisa Gunther, a arte-educadora Gislene Andrade, o músico Juliano Smith, a Regina Elizabeth, irmã do Pingo, Calé Alencar e Dilson Pinheiro... "São muitas pessoas mesmo", reforça Pingo.
A ONG Solar, vai explicando o presidente, reuniu "várias pessoas que já vinham desenvolvendo trabalhos coletivos na área da cultura e da cidadania". Entre as ações implementadas pela Solar estão a produção de eventos, como o Festival de Música da Meruoca e o de Icapuí, de "discos de outros colegas", e fez um mapeamento cultural da cidade. "Minha passagem pela Funcet foi uma aprendizagem", diz Pingo, que trabalhou seis meses no órgão de cultura municipal. "Saí com um compromisso maior e também entendi os limites do setor estatal. No terceiro setor, temos mais liberdade", reforça.
Um dos objetivos da Solar é, explica Pingo, "dar encaminhamento à produção cultural com uma ação mais objetiva. A gente percebeu que precisava aglutinar mais gente numa dinâmica artística. E as coisas começaram a acontecer".
Uma das ações da Solar é o fortalecimento dos maracatus. "No Solar, fazemos o que não podemos fazer no Az de Ouro, que tem um compromisso com a tradição, e de quem somos filhos", diz Pingo, que chamou o incansável Descartes Gadelha para dar o tom e o toque da novíssima agremiação, a partir de uma pesquisa com ritmos da década de 40, um "batuque com muita liberdade de expressão", reforça Pingo. Sete da noite, enquanto Descartes Gadelha não chega para o ensaio, na cozinha do casarão - também barracão do Solar - a rainha do maracatu, atriz Eugênia Nogueira, conversa com o figurinista, animadíssimo com as compras que acabou de fazer. "Querida, fiz uma coisa bem prática, não sei se você vai gostar...", diz Jander Mendes, o Magaiver, enquanto abre a sacola com muitos cortes de tecidos em que o amarelo domina. "Uns panos bem afro, para as negras", fala Magaiver, arrematando: "Tudo na avenida tem que ser muito vistoso". Rapidinho, o criativo Magaiver veste Eugênia, enrola uns panos em seu corpo, improvisa um turbante com uma esteirinha de palha. Ficou incrível. Os recursos minguados exigem de contrapartida muita criatividade. Pois é o que se verá.
Lá no quintal, ventilado, é que acontecem os ensaios, propriamente. Chegando em cima da hora, Elisa Gunther. "Já saí no Az de Ouro e um ano no Nação Iracema. Mas, em 2007, vou de maracatu Solar. Eu nunca tinha vivido esta coisa da construção, do conjunto. De ver o maracatu nascer e crescer em cada ensaio. É um lindo trabalho coletivo, todo mundo contribuindo. Esta é a função principal da cultura tradicional popular: não é só o espetáculo, é a vivência e a expressão da criação. E aqui, a gente está tendo esta oportunidade", diz Elisa, que trouxe dois sobrinhos para vivenciar este novinho maracatu.
Carregando sua alfaia, vem chegando o griô - como diz o Pingo (griôs são os mestres africanos responsáveis por contar a história de sua gente para as novas gerações). Sim, o griô do maracatu, claro, é Descartes Gadelha - ele quem criou uma das mais incríveis inovações do maracatu, a chocalheira do Nação Baobab. A loa do Solar leva a assinatura dele mais Pingo de Fortaleza, Wilton Matos, Alan Mendonça e Inês Mapurunga. Para cantá-la na Domingos Olímpio, Pingo, Inês, Jordie Guedes, Wilton Matos e Marcvs Brito. Descartes Gadelha diz que inovação será esta. "Orson Welles gravou o maracatu do Raimundo Feitosa, o Raimundo Boca Aberta, quando esteve em Fortaleza, nos anos 40, para filmar It´s All True. É uma maravilha! O maracatu era lindo, alegre, pra cima, com seu batuque índio-africano. As bases da música do Ceará estão nas células rítmicas daquela gravação. Chorei, quando ouvi a voz do meu querido e velho amigo Raimundo. Escutei uma semana, e organizei a partitura".
Quer dizer então que nosso maracatu nem sempre teve esta batida lenta? "Uma coisa ruim, pra história do nosso carnaval, aconteceu em 1970, quando importamos, das escolas de samba do Rio de Janeiro, o vestuário luxuoso. O lamê, os paetês, os tecidos pesados, as armações pesadas das fantasias de luxo. E aí, abandonamos a leveza da chita por uma armação de ferro. O maracatu passou a ter este ar de procissão, solene, lento. A batida não era mais para acompanhar uma coreografia pulsante, mas para mostrar as fantasias, verdadeiros monumentos indançáveis. Daí nossa intenção de fazer um maracatu sem plumas e sem paetês. Sem lamê e sem lamento. Só alegria!". Pronto, o ensaio já vai começar. A moça que toca o xequerê, natural de São Paulo, espalha contentamento. "Adorei! Na minha terra não tem isso...". Ao lado dela, outros ritmistas, os tambores da Caravana Cultural, Pingo ao violão, puxando a loa, e o pulsar dos ferros poderosos - três triângulos, um chocalho grande, uma enxada sem o cabo.
A música é irresistível. Primeiro, os versos da loa, nua, só voz, e então, a um comando de Descartes Gadelha, o peso do batuque toma conta do quintal, a rainha evolui com seus panos coloridos e seu adereço leve de cabeça, o pessoal dança, homens, mulheres, crianças - um pai com sua filhinha ao colo se balança ao som acelerado do maracatu. Tudo muito bonito de ver e ouvir, na noite quase de lua cheia, o cheiro suave das flores cor de rosa da espirradeira (único verde do quintal cimentado), e as vozes em conjunto, cantando: "Na soleira do tempo/ eu, de chapéu de sol/ giro o vento, giro o mundo/ de batuque e farol". Quem resiste?
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